A heterossexualidade não é uma virtude, portanto não deveria ser incentivada

Vivendo em Comunhão
5 min readJun 2, 2024

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Se a homossexulidade nos liga ao pecado; a heterossexualidade nos cega para ele.

Michael Hannon

Desde quando tive contato com o texto de Michael Hannon, o polêmico Against Heterossexuality, o título desse meu artigo foi uma conclusão explícita dele. Eu tive contato com esse texto em do Hannon em algum momento antes de 2019. Lembro disso porque eu indiquei a leitura para um pastor e ele não leu o texto inteiro e disse que os pressupostos do autor estavam errados, porque o autor era tomista.

Digressão sobre o conceito de sexualidade

Faz-se necessário recuperar o argumento de Hannon, para entender o título e as implicações. Antes do século 17, não havia palavras como telescópio, argumenta Hannon. Podemos imaginar que antes do antissemitismo, não havia em português a palavra judiar.

Segundo o clássico livro do Foucault, História da sexualidade vol. 1. A vontade de saber, as categorias heterossexuais e homossexuais foram inventadas pela medicina, numa tentativa de tirar a autoridade da Igreja sobre o desejo dos corpos.

Sendo assim, o que antes era simplesmente uma prática, passou a ser uma identidade que englobava todo o sujeito. A sodomia passou a ser a homossexualidade. Uma patologia que precisava de cura, um sinônimo de desvio da natureza humana verdadeira.

Em contrapartida, a heterossexualidade passou a ser vista como uma virtude. Práticas como masturbação, adultério, prostituição, entre outras que eram consideradas pecaminosas pela Igreja, foram colocadas como normais.

Durante os séculos subsequentes nós vimos uma série de tentativas de corrigir homossexuais, práticas que variam de internação ao estupro. O sujeito homossexual precisava aprender a cultivar a heterossexualidade.

Deus não criou a heterossexualidade

Embora o conceito de orientação sexual/sexualidade nos pareça universal, ele não é. Não passa de uma invenção ocidental. “Mas Reginaldo, Deus criou Adão e Eva, como ele não criou a heterossexualidade?”.

Primeiramente, eu preciso dar mais um passo atrás. Existem várias formas de ler os primeiros 11 capítulos das Sagradas Escrituras. Aqui eu uso o método histórico-crítico. Que defende que esses capítulos não são literais, mas uma invenção posterior a Moisés, muito provavelmente no período do exílio babilônico, no qual o povo se viu na necessidade de elaborar uma cosmogonia e um mito fundante.

A posição acima ainda choca a algumas pessoas, assim como o fato do apóstolo Paulo não ter escrito as cartas aos efésios e outras. Mas eu vou deixar essa discussão para outro momento.

Ainda que Adão e Eva não sejam literais, não significa que não possam ensinar algo. Jesus ensinou amplamente por meio de parábolas. Portanto, podemos aprender algo com o mito de Adão e Eva. E com certeza não é sobre a criação da heterossexualidade.

Em algum momento da História, Deus criou um homem e uma mulher e ordenou que se reproduzissem. Ele fez o homem para uma mulher e uma mulher para um homem. Ora, isso é muito diferente do conceito de heterossexualidade. Enquanto no casal arquétipo a função era a reprodução, podemos inferir que Adão e Eva faziam sexo, mas não podemos inferir que havia uma sexualidade subjacente nos sujeitos. Havia o imperativo divino de povoar a terra, apenas isso. O sexo recreativo é uma invenção posterior.

A homossexualidade não é uma virtude

Numa conversa com amigos da FAFIL (Faculdade de Filosofia da UFG). Eu lancei a seguinte frase: a heterossexualidade não é uma virtude. Como estamos estudando Lógica, um dos meus pupilos disse que nenhuma sexualidade é uma virtude. Isso era uma conclusão subjacente e óbvia da maneira como eu estava argumentando.

Talvez a minha crítica à heterossexualidade possa soar como uma defesa da homossexualidade. Nada mais distante da realidade. Como um bom espinosano, eu quero colapsar todos os sistemas dualistas.

Lembrei daquele meme de que os gays são melhores do que pessoas normais (risos). Algumas pessoas, na tentativa de defender homossexuais usam vários argumentos falaciosos, como dizer que as pessoas nasceram assim. Como se nossa sexualidade fosse algo sólido. E já aprendemos com Bauman muito sobre a liquidez dos afetos. Portanto, a homossexualidade também não é uma virtude.

Foucault e a homossexualidade como possibilidade de ascese

Eu preciso me estender um pouco mais sobre essa questão da homossexualidade. Principalmente pela vasta leitura que já fiz sobre o tema. A homossexualidade merece mais atenção.

Em sua clássica entrevista Da Amizade como modo de vida, Foucault traz contribuições valiosas para a discussão sobre homoafetividade. Eu quero destacar algumas. O filósofo pós-estruturalista afirma que os relacionamentos heterossexuais costumam começar na Amizade e depois partem para o sexo. Já os relacionamentos, principalmente entre homens, costumam não passar de sexo casual.

Em vez de propor casamento homossexual, Foucault propõe uma Amizade entre parceiros sem a rigidez heterossexual. Tenho certeza que Foucault se oporia à ideia de casamento homossexual. Ele tinha um companheiro fixo e vários rotativos. Acho que ele diria que o casamento homossexual é uma forma de homossexuais se adequarem à lógica heteronormativa (termo anacrônico).

Em vez de replicar o que os heterossexuais têm, a homossexualidade oferece uma possibilidade ascese. Se um sujeito não se sente atraído pelo sexo oposto ele pode criar uma possibilidade de vida que não seja baseada no casamento e na construção de uma familia nuclear. A homossexualidade possui muitas virtualidades. Ela é polimorfa.

Vivendo uma ascese virtuosa

No mês do orgulho queer em 2020, eu publiquei um texto com o seguinte título: Homoafetividade e virtudes: anotações em C. S. Lewis. Eu ainda concordo com o que escrevi naquela época. A diferença é que não me vejo mais como gay, parafraseando Camille Paglia, eu sou uma Entidade sem sexualidade.

O ponto fulcral do meu texto é que os fatos de não estar em um relacionamento romântico-sexual e não ser heterosssexual me fizeram ser um amigo melhor, dedicar-me mais aos estudos, à Igreja, à minha família e às pessoas subalternizadas.

Um modo de vida cujo objetivo não são os relacionamentos romântico-sexuais e construir uma família nuclear pode ser muito rico e próspero para as comunidades. Rezo por mais pessoas celibatárias virtuosas que vivam para o bem de outras pessoas, principalmente as subalternizadas. Pois assim estaremos levando uma vida que de fato agrada a Deus.

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Vivendo em Comunhão

Iniciativa fraterna interessada em promover a perspectiva cristã saudável sobre gênero, sexualidade, raça, Comunhão, Amizade e Hospitalidade.